quarta-feira, 1 de junho de 2011

Mulheres que deliciaram uma época

As grandes vedetes do Brasil (da Coleção Aplauso) aborda o teatro de revista e as coquetes que incendiaram os palcos em espetáculos grandiosos de sensualidade e humor



Simone Menegussi

O livro As grandes vedetes do Brasil, escrito pela diretora e especialista em teatro de revista Neyde Veneziano, além de abordar histórias de mulheres corajosas e audaciosas para a sua época — as vedetes — é uma aula deliciosa de história do Brasil. A autora retrata na obra 41 mulheres que ousaram e marcaram seus nomes na história do Teatro de Revista. As 41 personagens do livro poderiam ter sido 50, 60, 70 ou mais. “Por causa da falta de arquivo e de algumas estrelas que até hoje renegam o passado, apenas uma parte pôde ser pesquisada”, conta a autora.
O teatro de revista teve início na França, em 1728. O nome se deve ao fato de o espetáculo passar em revista o que de mais importante havia ocorrido durante o ano. Para driblar a censura, usava belas atrizes talentosas, divertidas e que transpiravam sensualidade.
No final do século 19, chegaram ao Rio de Janeiro as cocottes francesas, consideradas as rainhas da noite. Apresentavam uma opereta com uma dança proibida e muitas pernas à mostra. Era o esfuziante cancã. A cantora lírica e cocotte Mademoiselle Aimée agitou as noites da capital federal, dando muito trabalho à polícia. Essas francesas abriram o caminho para o entretenimento com classe, bom gosto, luxo e muita malícia. Essa é origem do teatro de revista aqui.
Se imaginarmos nos dias de hoje uma garota, menor de idade, recém-saída de um colégio de freiras sair de casa sozinha e romper com os costumes da sociedade para ser artista, não teria nada de mais. Mas se imaginarmos esta cena no começo do século 20 é outra história: “Maria Lino era italiana e se chamava Maria Del Negri. Chegou aqui com 14 anos, como dançarina do Alcazar Lyrique. Entrou para a história do teatro musical brasileiro como coreógrafa, considerada uma das maiores expoentes do maxixe — a dança proibida. Maria era mulher despojada e muito à frente de seu tempo. Era livre, tinha vida amorosa movimentada, não se prendia a ninguém. Não media esforços para conseguir o que queria. Era determinada e, de certa forma, despudorada. Um de seus muito apaixonados chegou a dizer: Era uma demônia. Possuía olheiras lânguidas, que traíam uma vida de vícios inconfessáveis”, narra Neyde Veneziano no livro.
Essas mulheres tão amadas pelos homens e invejadas pelas donas de casa, além de seus talentos artísticos eram empreendedoras. Muitas criaram suas próprias companhias. Eram administradoras, coreógrafas, produtoras e as principais estrelas. Autora de vários trabalhos publicados sobre estética e linguagem da encenação no Brasil, Neyde conta que para ser vedete não bastava apenas ter um corpo estilo violão. Era preciso muito mais: “Vedetes são, portanto, seres teatrais de primeira grandeza, que alimentam fantasias masculinas, alfinetam (com graça) políticos corruptos, cantam, dançam e denunciam injustiças sociais, indiretamente. Tudo isso sem fazer a ingênua. Ou, se quiser, fazendo a esperta dissimulada em mocinha boazinha. Porque vedete que é vedete é muito chic. Tem charme. Em geral, não fala palavrão. Ela faz alusão. Aliás, esta é a sua grande arma: a alusão. A plateia pode pensar o que quiser, a vedete sugere, mas não fala diretamente.”
A obra que integra a Coleção Aplauso é muito bem ilustrada, com fotos de várias épocas. Deixa claro como era o padrão de beleza no começo do século passado até o final dos anos 1960. Cinturas finíssimas, coxas grossas, sobrancelhas finas e arqueadas; umas ousaram cortar os cabelos curtos e subir o comprimento das saias para logo depois escandalizarem com calças compridas justíssimas.
Para falar de vedetes é fundamental falar do Rio de Janeiro, então capital do País e do entretenimento. Nos primeiros anos do século 20, a cidade passou por uma reurbanização e higienização comandada pelo então diretor de Saúde Pública, Oswaldo cruz e o prefeito Francisco Pereira Passos. A intenção era tornar a cidade uma “Paris tropical”. Um desses grandes cenários era o famoso Teatro Recreio. Antes da chegada da TV, o rádio, o cinema e o teatro de revista eram as grandes atrações populares. A revista era grande divulgadora das músicas brasileiras.
Para ser uma vedete era fundamental saber cantar, dançar e interagir com o público com muita classe. Walter Pinto foi um dos homens que revolucionou o teatro de revista. Em 1940, aos 27 anos, assumiu a direção do Teatro Recreio. Investiu pesado em cenários e figurinos luxuosos, contratou professores de canto e coreógrafos para cuidar da postura das meninas. Como diz Neyde no livro: “Com Walter Pinto foi diferente. Ele valorizou as vedetes em cena e elas conquistaram o público superando, em popularidade, os cômicos. Cantavam, improvisavam com desembaraço, dirigiam-se com naturalidade à plateia, sabiam contar piadas e eram sensuais. É que, além de empresário, produtor e escritor, Walter Pinto as treinava. Ou seja, ele criou um sistema vedete, um método que pouco a pouco foi se solidificando e oferecia, às atrizes, todo o instrumental necessário para que elas conquistassem a plateia.”
Na segunda fase do teatro de revista outro grande empresário se destacou. Carlos Machado, conhecido como O Rei da Noite, adaptou os grandes shows para espaços menores como as boates. Manteve o mesmo glamour, classe e malícia sem vulgaridades. Caprichou na escolha das estrelas que estavam bem mais próximas da plateia.
Para escrever a obra, Neyde contou com uma equipe de pesquisadores e colaboradores. Muitas curiosidades estão relatadas com muita precisão como a censura, que permitia apenas o nu estático, ou seja, a artista nua não podia se mexer e sim ficar parada durante a apresentação, simulando uma pintura. Outra curiosidade é a lei que até os anos 1950 proibia o uso de biquínis nas praias brasileiras, sob pena de repressão policial.
O teatro de revista teve começo, meio e fim. Após a proibição dos cassinos, em 1946, milhares de artistas ficaram desempregados. O teatro de revista passou a ocupar teatros menores e boates. No fim dos anos 60, começou a agonizar. A censura implantada em plena ditadura militar calou as paródias. Muitas vedetes passaram a cantar em rádios e atuar em programas humorísticas nas TVs Tupi, Excelsior, Record e em cinemas. Outras migraram para shows de strip-tease, shows de mulatas e shows de exportação. Foi o fim de uma era.

Serviço
As grandes vedetes do Brasil
Autora — Neyde Veneziano
Editora — Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Coleção Aplauso
Páginas — 296
Preço — R$ 30,00
Internet — A obra também está disponível gratuitamente em acervo digital:
http://aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.813.815/12.0.813.815.pdf

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