sexta-feira, 17 de junho de 2011

Alline, a sereia santista


Simone Menegussi

Começo do ano 2011, início das aulas, classe relativamente cheia. Todos querendo falar ao mesmo tempo, grupinhos distribuídos aleatoriamente, expectativa para o início do 5º período de Jornalismo. De repente o burburinho da uma pausa, mas logo recomeça. Começo a ouvir comentários sobre uma aluna nova que acaba de entrar na sala:
-Olha! Ela é jogadora do Santos!
-Uau! Que mulherão!
-Quem é? Quem é?
-É uma das sereias da Vila! Peixão!
Senta próximo, e logo começo a puxar papo. Ela confirma que joga no Santos Futebol Clube, exibe um sorriso que encanta logo de cara.
Alline Calandrini amapaense nascida em Macapá há 23 anos, pele cor de jambo enfeitada com tatuagens de flores, borboleta e fadas. Sua face parece ter sido esculpida a mão, 1,70m de puro charme, 59 quilos bem distribuído formando um corpo escultural e bem produzido. Os cabelos são lisos e negros. É um dos exemplares mais belo da ameríndia contemporânea. Se o escritor José de Alencar a tivesse conhecido, não teria dúvida alguma sobre sua musa inspiradora para o romance Iracema:

“Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem...”

Iracema e Alline têm muito em comum, são mulheres de muita coragem, guerreiras, que arriscaram tudo por uma paixão. Iracema por seu amado Martim Soares e Alline pelo futebol.
Criada com muita liberdade, Alline teve uma infância animada e agitada. No terreno de sua avó, que faz margem com o Rio Amazonas, nadava tranquilamente sem se incomodar com as piranhas, que diziam haver por lá, mas ela nunca viu. Brincava de bola com seus amigos desde pequena, suas bonecas só serviam de enfeite, pois nunca brincou.
Boa de bola, era muito requisitada entre a molecada da rua, da escola, do clube etc. Seus pais, também esportistas, sempre a apoiaram. Desde que não prejudicasse seus estudos, podia jogar à vontade.
Os funcionários públicos, Sueli e Gastão Calandrini tiveram dois filhos, Alline e Caio. Gastão nascido no Pará é descendente de italianos, tornou-se coronel da Polícia Militar, Sueli, macapaense com origem indígena trabalha no Tribunal de Justiça do Estado.
A vida em Macapá não tem muitas opções de emprego. Ou você é funcionário público ou você é funcionário público. Não tem pra onde correr. Alline, apesar de viver ao sabor da natureza, comendo cupuaçu, pupunha, açaí e babaca, saboreando jacaré, jabuti, paca e cotia, além do delicioso tucupi no tacacá, sabia que seus dias em Macapá estavam contados.
Jogou handebol, basquetebol e futsal no colégio. Não sabia que existia time de futebol feminino no país. Em 2005 mudou-se com a família para o Rio de Janeiro por um período de um ano, devido ao trabalho de seu pai. Véspera da viagem de volta, a família conhece a Granja Comari em Teresópolis, sede da Seleção Brasileira de Futebol. Seu pai, muito animado, a inscreve para um teste, na hora foi convidada para compor a equipe de futebol feminino do Juventus, em São Paulo. Não teve dúvidas, pegou a mala no carro e partiu sozinha para São Paulo. Quatro meses depois, mudou-se para Santos, onde se transformou em uma das Sereias da Vila.
Jogar no Santos Futebol Clube é o máximo que uma atleta pode querer, sem contar com a seleção brasileira. O time detém a maioria dos títulos disputados no país. Callan, como é conhecida no meio esportivo, completa um time de guerreiras, meninas que pelo esporte sacrificam suas unhas dos pés, e suas chapinhas em dias de chuva, suportam a ausência das famílias e aguentam firme a rotina puxada dos treinos e jogos. Callan nunca começa seu treino sem passar um lápis e rímel nos olhos. Academia sem brincos e maquiagem, nunca. Perfume, só francês! Sua mãe e companheira nunca deixa faltar.
Mas refinados mesmo, são seus toques na bola, que categoria! Joga com classe, sua posição é na zaga, ou defesa. Domina a bola e a entrega com passes perfeitos. “Pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra...” palavras de José de Alencar. A graça e precisão com que ela se movimenta nos gramados arrancam a admiração da torcida.
Como futebol não é para sempre, Alline pretende, após a carreira de jogadora, ingressar na área jornalística esportiva. Seu irmão Caio, alguns anos mais novo, está cursando Direto em Macapá.
Funcionária pública, jamais!

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